recentemente li um excelente artigo publicado no portal da revista HSM Management que aborda o Design Thinking como disciplina essencial para acelerar a inovação nas empresas. Entre os elementos indispensáveis da abordagem de Design Thinking para inovação está a empatia. Empatia, segundo a wikipedia, consiste em perceber corretamente o marco de referência interno do outro com os significados e componentes emocionais que contém, como se fosse a outra pessoa, porém sem perder nunca essa condição de “como se”. A empatia implica, por exemplo, sentir a dor ou o prazer do outro como ele o sente e perceber suas causas como ele a percebe, porém sem perder nunca de vista que se trata da dor ou do prazer do outro. Se esta condição de “como se” está presente, nos encontramos diante de um caso de identificação. Nos negócios, a empatia tem sido cada vez mais utilizada para entender a real necessidade dos clientes das empresas.
Para abordar de maneira mais lúdica o conceito de empatia, vou utilizar como exemplo os super-heróis da Marvel, editora dos quadrinhos de heróis como Homem-Aranha e Homem de Ferro, e a razão de seu sucesso, principalmente em relação a suaDistinta Concorrência, a DC Comics, editora de heróis como Super-Homem e Batman.
Hoje eu assisti a um programa na HBO que apresentou uma entrevista do principal criador dos super-heróis Marvel, e também seu fundador, o grande Stan Lee, conduzida pelo diretor de filmes preferido de 10 entre 10 nerds e Geeks, e esporadicamente roteirista de histórias do Demolidor – personagem também da Marvel, Kevin Smith.
A entrevista é um prato cheio de curiosidades para os fãs dos heróis da Marvel como a explicação simples para o fato de que os nomes e sobrenomes das identidades secretas da maioria dos heróis começavam com a mesma letra como, por exemplo, Peter Parker, Reed Richards, Matt Murdock, Bruce Banner, … A razão era que Stan Lee não tinha uma boa memória para nomes, então repetir as letras ajudava-o a lembrar os nomes, pois assim que lembrava o nome ou o sobrenome, ele se lembrava do restante. Outra curiosidade é o porquê de na série televisa do Hulk nos anos 60 o nome do alter ego do Hulk era David Banner, diferente dos quadrinhos que era Bruce Banner. A explicação é que os produtores acharam o nome “Bruce” meio “gay” para uma série de TV. Outros tempos.
A entrevista abordou muito da formação do universo Marvel e de seus personagens. Em certa altura da entrevista, Kevin Smith começa a abordar o porquê do maior sucesso dos heróis da Marvel em relação a DC. Steve conta que conhecia muitas pessoas na DC e soube de reuniões que procuravam encontrar a razão da maior fatia do mercado ser da Marvel. Inicialmente, eles achavam que a capa das revistas da Marvel tinham os famosos balões de diálogo, Steve então os retirou assim que ficou sabendo e mesmo assim a soberania continuava. Fizeram outra reunião e constataram que era o fundo vermelho das capas, Steve trocou o fundo por outras cores e não perdeu nada na sua fatia de mercado.
Kevin Smith insistiu para saber a razão e Stan afirmou que o sucesso da Marvel era a preocupação constante em estar sempre próxima da vida dos leitores. Enquanto o Super-Homem tinha uma vida perfeita e todos os super-poderes apropriados para cada ocasião, o Homem-Aranha, mais especificamente seu alter ego, Peter Parker, era tímido, tinha problemas para se relacionar com as garotas, possuia problemas financeiros para pagar as contas de Aluguel e sofria buyling na faculdade por ser um nerd.
Steve explica que ele queria que seus personagens sempre tivessem que fazer escolhas, por essa razão Peter Parker tinha uma tia, a Tia May, que se preocupava muito com ele e para quem sua vida era a razão de sua existência. Esse fato fazia com que muitas vezes Peter Parker tivesse que escolher entre salvar o mundo em apenas uma hora ou ir a farmácia comprar o remédio que salvaria a vida de sua tia. Outros personagens também representam essa aproximação com a vida dos leitores:
- Homem de Ferro: milionário arrogante que precisou de um acidente, que lhe causou um problema no coração, para se tornar mais humilde e mais responsável. No filme, esse acidente acontece tornando Tony Stark vitima de seu próprio legado de construção de armas para a guerra. Além disso, o pior inimigo do Homem de Ferro não era nenhum super-vilão com super-poderes, mas sim o alcoolismo. Vilão esse demonstrado com extrema maestria na clássica história “O Demônio na Garrafa”;
- Thor: Tinha problemas de relacionamento com o pai e teve que ser punido para ter mais humildade sendo transformado em um simples mortal com um problema na perna. Além disso, Thor tinha um meio-irmão – Loki, o Deus da Trapaça – que estava sempre armando contra ele devido a sua inveja por se considerar menos amado que o irmão pelo Pai;
Hulk: Inspirado na história clássica do Dr. Jekyl e Mr. Hyde, Hulk é a personificação do conflito constante entre a raiva e a razão.
Até mesmo as cidades onde os personagens moravam foi influenciada para montagem do Universo Marvel. Enquanto Batman e Super-Homem viviam em cidades fictícias como Gothan City e Metrópolis, os personagens da Marvel viviam em sua grande maiora em New York e frequentavam os mesmos lugares que os seus leitores como o teatro, os parques da cidade ou as lojas do comércio.
Em certo momento, Kevin Smith contou que quando escreveu uma aventura do Demolidor – um advogado cego com demais sentidos mais apurados – não entendeu porque o Editor-Chefe da Marvel exigiu que nas primeiras páginas ele escrevesse um resgate da aventura anterior quando se tratasse de uma continuação. O Editor da época explicou a ele que uma das maiores lições que ele aprendeu com Stan Lee é que se deve ter sempre uma preocupação com o leitor esporádico, aquele que está lendo pela primeira vez uma aventura de um personagem Marvel e, por essa razão, era necessário resgatar parte da última parte da aventura a fim de contextualizar esse tipo de leitor.
Todos esses fatos acima relacionados mostram a preocupação da Marvel em estar sempre próxima da realidade de vida de seus leitores. Isso é procurar promover empatia com seus leitores, razão da existência da Marvel. A Marvel, e sua preocupação com a empatia, criou um relacionamento emocional com seus leitores.
A empatia é parte integrante do design porque bons designers se põem no lugar de quem irá usar o produto ou serviço concebido por eles. Empatia necessita de algum grau de identificação para reconhecer que estamos interagindo com uma pessoa, não com um objeto. No caso da Marvel, o grau mais elevado de identificação dos leitores foi maior do que com a Distinta Concorrência.
Não é a toa que, por essas e outras razões, que a Marvel é conhecida também como “A Casa das Ideias”.
Apesar de eu particularmente gostar [um pouco] mais da DC do que da Marvel, sempre tive esta noção de que a Marvel era mais “realista” do que a DC. Mas o grande “coringa” da Marvel (ihhh… é a carta do baralho, não o inimigo do Batman) é o Peter Parker.
Quando Stan Lee criou o Homem-Aranha, Jack Kirby, co-criador do universo marvel, fez o primeiro esboço. Algo bem parecido com o visual que conhecemos até hoje, mas o problema é que Kiby desenhou o personagem no mesmo molde que os outros: Musculoso demais. Então Stan Lee passou a bola para o desenhista Steve Ditko, que seguiu sua orientação de fazer o personagem menos bombado (há quem diga que esta história é uma lenda, mas, particularmente, acredito nela).
Ao invés de uma revista própria, o Homem-Aranha estreiou na revista “Amanzing Fantasy #15″, que teve boa repercussão. Ainda assim, não convencido do potencial do personagem, em “The Amazing Spider-Man #1″ a Marvel estampou na capa junto com o Homem-Aranha o grupo mais popular até então: O Quarteto Fantástico!
Outra coisa que faltou na análise de Kevin Smith foi a questão da “corrida atômica”. Os efeitos da radiação era uma das grandes preocupações da época. Então, o que vemos: Hulk sendo atingido por raios gama, Quarteto Fantástico sendo atingida por “raios cósmicos”, Peter Parker sendo mordido por uma aranha radioativa, até que finalmente Stan Lee chegou a uma fórmula: Mutantes! Um dos títulos do super-grupo “X-Men” é “Os Filhos do Átomo”. Os mutantes são seres humanos que nascem com alterações genéticas, o que lhes confere super-poderes. Alterações genéticas devido a radiação atômica foi um tema recorrente durante décadas.
Fatores exógenos realmente sempre permearam o conceito editorial da Marvel:
– Pouco depois do assassinato de Martin Luther King, o Capitão América passa a atuar ao lado de seu parceiro “Falcão”;
– Na cola do sucesso de Bruce Lee nos cinemas, a Marvel lança “O Mestre do Kung Fu”;
Etc, etc…
Kevin Smith contou muito mal esta história dos nomes com iniciais duplas e do motivo de “David” no lugar de “Bruce”.
– Iniciais duplas é uma fórmula que já havia sido utilizada por Walt Disney (Mickey Mouse, Donald Duck, etc..) e pelos criadores do Superman, com Lois Lane, Lana Lang, Lori Lemaris (as namoradas do Superman) e “Lex Luthor”, o arquiinimigo.
– “Bruce” era considerado “gay” por causa de “Batman e Robin” e do alter ego do Batman, Bruce Wayne. Tudo culpa do psiquiatra Fredric Wertham, que acusou os quadrinhos de má influência no livro “Seduction of the Innocent”. Entre as acusações de Wertham, estava a de que Batman e Robin demonstravam um comportamento homossexual. A polêmica levou à criação do “Comics Code Authority”, um selo que aparecia nas capas das revista indicando que o conteúdo tinha sido aprovado pela CMAA – Comics Magazine Association of America (Associação Americana de Revistas em Quadrinhos).
Curiosamente, uma das histórias de maior sucesso nos quadrinhos ajudou a derrubar este selo: A história do Homem-Aranha que mostra Harry Osborn, o filho do Duende Verde, se drogando. Esta história faz parte da saga que culmina na morte de Gwen Stacy, a namorada do Peter Parker. A CMAA não aprovou a história, então a Marvel deu um “dane-se” à CMAA e publicou a revista sem o selo de aprovação.